O Último Adeus

E lá está você, vivendo a sua vida ordinária e mediana, presa na rotina, quando você recebe aquela ligação. Aquela ligação que a maioria não está esperando e deseja nunca receber, mas ela acaba sempre chegando. Aquela ligação que te tira do mundo, a realidade desaparece e você vive aqueles minutos por aquela noticia. Durante toda a sua vida, a partir daí, você irá reviver o momento em que o telefone tocou e você foi à direção dele, quem estava do outro lado da linha, seu tom de voz, as palavras que lhe foram ditas. Você só vai desejar nunca ter atendido ao telefone, mas a notícia seria inevitável.
Você se esquece de tudo o que estava fazendo, deixa tudo de qualquer jeito e tenta absorver a notícia. Ou faz como eu fiz, desliga o telefone e volta ao trabalho, tentando negar o inegável e continuar a vida como se nada tivesse acontecido. Mas acredite, isso é inútil. Seria muito mais fácil apenas aceitar a realidade.
Quando se tem um ente querido doente ou muito velho, você às vezes se pega pensando em como seria quando você recebesse a notícia de sua morte, como você reagiria, o que sentiria e como seria sua vida a partir daí. Mas nada acontece do jeito que você imaginou quando você realmente recebe a notícia. Para quem já perdeu um ente querid0, vai entender o que eu quero dizer, mas para quem nunca perdeu, eu gostaria de tentar explicar brevemente como é: imagine todos os planos que você fez para o futuro incluindo as pessoas que você ama. Agora tire essa pessoa de seus planos, mas não apenas a exclua, delete-a da sua vida para sempre, imagine que você nunca mais verá seu sorriso, ouvirá a sua voz. Imagina que você nunca teve a oportunidade de dizer adeus a essa pessoa antes dela partir e você nunca mais terá. Essa pessoa simplesmente não existe mais, ela não anda mais na face da Terra, ela não estará pensando em você, ela nunca mais virá ao seu encontro. Pronto, agora você deve estar sentindo um décimo da nossa dor.
E então você só quer ficar sozinho e “curtir” a sua dor, viver seu luto, mas não. Você terá que ir ao cartório, depois à funerária, escolher caixão, flores, enterrado ou cremado etc. Você passa o dia todo tomando essas decisões e quando o velório começa, ao invés de ter um último momento com seu ente, o local mais se parece com uma festa em que você é o anfitrião e tem que receber os convidados, que, aliás, você teve que ligar para cada um deles e explicar do que a pessoa morreu, como você está se sentindo, como está o resto da família, aonde vai ser o velório, a que horas, aonde vai ser o enterro, se terá cortejo etc. Depois de tudo isso, enquanto você está no velório, segurando todo o seu sofrimento para não desabar em frente a todos, as pessoas vem te abraçar e desejar “meus sentimentos”. Afinal das contas, para que eu quero os sentimentos deles, eu mal estou conseguindo dar conta dos meus! Se não bastasse, eles começam a lhe dizer como aquela pessoa era querida e amada e lhe falam de todos os bons momentos que eles tiveram juntos. Você sabe o quão maravilhosa era aquela pessoa e os momentos felizes que ela proporcionou, não é necessário alguém ficar te lembrando disso enquanto você tenta sufocar aquele choro desesperado dentro do peito.
Mas eu acho que a pior coisa de tudo é ver as outras pessoas chorando mais do que você. Tudo bem, você está segurando o choro, mas você é quem está sofrendo mais dessa perda, não aquelas pessoas que o viam apenas uma vez por ano para desejar feliz natal. Se fosse assim, o porteiro do prédio deveria estar chorando mais do que aquela pessoa descontrolada. E afinal, por que você está segurando tanto o choro? Eu te conto, por que todo mundo vem te falar “seja forte”, e assim que você derrama uma lágrima ou dá um fungada, alguém corre para o seu lado e fala “não fica assim, seja forte, ele(a) não iria querer te ver chorando assim”. Não ficar assim? Ser forte? Não iria querer me ver chorando? Pelo amor de Deus, eu estou enterrando alguém que eu amo aqui! Eu não tenho o direito de estar triste? Se ele não quisesse que eu chorasse, era bom ter me avisado enquanto ainda era vivo e me antecipar em dois dias a data de sua morte, assim eu não era pega de surpresa e já tinha chorado todas as minhas lágrimas de direito. Eu acho que nós deveríamos ter o direito o quanto nós quiséssemos sem ninguém interromper.
E chega a hora do enterro/cremação e esta é a sua última chance de se despedir. A emoção é demais e você não aguenta segurar o choro e desaba. Quando as pessoas vêm se despedir, elas te abraçam e não querem te soltar até que você pare de chorar. Acho que não vai dar para ficar assim durante as próximas semanas… E as pessoas vem lhe dizer que ele(a) está num lugar melhor, que está feliz agora. Será que aquelas pessoas que você quase nunca vê não consideram a possibilidade de você ser ateu? Por que eu sou ateia e isso não me parecia um bom consolo, na verdade eu tinha vontade de dizer “Não é por que você faz parte dos 89% cristãos na população brasileira que eu não faço parte dos outros 11%!” Mas, teoricamente, você está vivendo o seu luto e não esperando que as pessoas respeitem a sua opção religiosa, mas adivinhem, eu estou ligando se vocês respeitam minha opção!
Uma coisa é certa, eu nunca mais irei para funerais e darei “meus pêsames”, a partir de hoje eu direi “eu sinto muito”, que na minha opinião mostra muito mais o quão triste você está e compartilha o sentimento quem sofreu a perda, e darei lenços num gesto de que aquela pessoa tem o direito de sofrer o quanto ela está sofrendo e não deve se reprimir pela opinião alheia.
P.S.: eu vou sempre me lembrar da última vez que eu te vi, do último abraço, da última risada, da última bronca, da última troca de olhares significativos, do nosso último adeus, que eu nunca pensei que seria o último.

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