Paz



Aula de Álgebra… matéria tão chata, sendo dada a uma sala tão chata. Era a única coisa que eu conseguia pensar. Eu queria sair dali, fugir daquele lugar. Odiava as aulas, odiava as pessoas que, desde meu primeiro dia, me hostilizaram. Eu queria poder nunca mais estar ali, viajar pelo resto da minha vida. Quem precisa se formar no colegial? Muita gente famosa e rica não se formou. E de repente surgiu um clarão. Foi a última coisa que eu vi. Mal deu tempo de começar a ouvir os gritos.
Quando abri meus olhos, estava no chão. Minha cabeça doía e eu me sentia desorientada. Olhei ao meu redor e não conseguia reconhecer onde estava. Acima de mim eu via o céu, lindo e azul, mas fumaça preta se juntava àquela paisagem. Comecei a ouvir vozes, pessoas apressadas, gritando, assustadas. Não conseguia me sentar, agora meu corpo todo doía. Tentei virar a cabeça e comecei a ver a origem da fumaça. Havia fogo em todos os lugares. Vi destroços no chão e coisas que eu não conseguia reconhecer. Tudo estava caído e destruído.
Vi uma coisa ao meu lado que puxei para me erguer. Quando sentei, vi o que era e vi que havia por todo o lugar, que um dia foi a sala de aula: eram corpos. Tentei identificar de quem era o braço que eu havia puxado, era de uma garota muito estudiosa que sempre se sentava na primeira carteira. Algo muito pesado esmagava seu abdômen e seus olhos abertos encaravam o nada. Outros corpos se amontoavam pela sala. Havia sangue por todo o lado, alguns membros perdidos e vários olhos que não viam nada. Era fácil dizer o que eu via ali: estavam todos mortos.
Entre os gritos de desespero e os de ajuda, comecei a ouvir sirenes e gritos de ordem. Alguns homens apareceram e me tiraram dali. Imobilizaram-me numa maca. Quando tentei perguntar sobre o que havia acontecido e para onde eles iam me levar, senti uma picada no braço e logo adormeci. Quando abri meus olhos novamente, vi o rosto preocupado de meus pais. Minha mãe me abraçou tão forte que quase me esmagou. Cheguei a pensar ironicamente que se não tinha morrido da primeira vez, morreria agora.
Dessa vez era fácil reconhecer o lugar onde eu estava: num hospital. Perguntei aos meus pais o que havia acontecido. Minha mãe apenas responde: “Pobrezinha, não se lembra de nada. Não vamos conversar sobre isso agora, você precisa descansar.” Eu não precisava descansar, sentia como se tivesse dormido três dias seguidos. Logo chegaram umas enfermeiras e depois alguns médicos. Fizeram-me algumas perguntas sobre como eu me sentia e se tinha alguma dor. Ninguém quis me contar o que aconteceu. Em pouco tempo me colocaram para dormir novamente, apesar dos meus protestos.
Quando acordei, já era o dia seguinte. Meus pais dormiam e pude colocar minha cama mais reclinada, tendo uma melhor visão do quarto. Vi flores por todos os lados, balões de melhoras, presentes, chocolates e cartões. Mal conseguia ver a cor das paredes de tantos presentes. Se antes já estava confusa, agora eu estava mais ainda. De quem eram todos aqueles presentes? Eu não tinha amigos e parecia que todos aqueles que eu conhecia haviam morrido. Então quem me mandou tudo aquilo?
Minha mãe acordou. Ficou assustada ao ver-me sentada na cama. Quis me deitar, me fazer dormir novamente. E novamente ela não me contou o ocorrido. Eu comecei a sentir-me sufocada com ela ajeitando minha cama o tempo todo, perguntando se eu estava com dor, querendo me mudar de posição. Acho que meu rosto transparecia meus sentimentos, pois quando a enfermeira trouxe meu almoço, pediu se meus pais poderiam comer em outro lugar, já que eu precisava descansar depois do ocorrido. Até que a comida não era tão ruim como falam sobre comida de hospital e, pela primeira vez, pude realmente descansar.
Quando terminei de comer, meus pais ainda não haviam chegado. Resolvi ligar a TV para me distrair. Passava o noticiário. Foi nesse momento que descobri o que tinha acontecido naquele dia. O jornalista anunciava que houve uma pane num helicóptero e ele caiu. Durante a queda, sua cauda atingiu uma sala de aula de um colégio. Algumas imagens da sala foram exibidas. Só havia destruição. Eu já não reconhecia aquele lugar. O jornalista disse que todos haviam morrido num cenário sangrento, menos uma aluna. Ele anunciou o meu nome e mostraram minha foto, disseram que estava internada, mas o estado era estável. Se já não bastasse, ele ainda disse que muitos acreditavam que eu estava viva graças a um milagre e que várias pessoas faziam vigília em frente ao hospital. Mostraram uma imagem de pessoas com flores, fotos e velas rezando ali. Não acreditei naquilo e fui até a janela confirmar com meus próprios olhos. Realmente, havia milhares de pessoas paradas, esperando notícias da minha saúde. Parecia que eu estava morrendo, mas me sentia tão bem que poderia ir para casa, Agora eu já sabia da onde vinham todos aqueles presentes.
Nessa hora, meus pais entraram no quarto, Minha mãe correu para me tirar de perto da janela. Pôs-me na cama e desligou a TV. Perguntei por que ela não me contou tudo desde o começo e ela disse que queria me poupar. Poupar-me de que? Eu já tinha visto todos os meus colegas de classe mortos e sabia que e era a única sobrevivente, só queria saber como foi que tudo aquilo havia acontecido. Ela ficou chocada quando soube que eu vi todos mortos. Ela achava que eu não me lembrava do acidente. Como é que eu poderia esquecer? O que importava é que eu estava viva e sem grandes lesões.
Tive apenas alguns arranhões e alguns hematomas, mas nada de grave. Logo fui liberada do hospital. No carro, eu dividia espaço com flores e balões. Logo que passamos em frente à vigília, as pessoas começaram a seguir o carro até onde conseguiram. Todos queriam me ver e garantir que eu estava bem.
A boa notícia de tudo isso é que eu estava de férias por tempo indeterminado. Com certeza, o colégio que eu estudava não teria alunos suficientes para reorganizar a turma e retomar as aulas. Houve uma grande homenagem aos falecidos em frente ao prédio destruído, que agora parecia um terreno baldio graças à incrível velocidade em que eles retiraram os destroços dali. Eu não queria ir, mas minha mãe disse que eu tinha que respeitar os mortos e suas famílias. Eles nunca me respeitaram em vida, porque deveria respeitá-los agora? Mas nenhum argumento me foi forte o suficiente para minha mão me deixar ficar em casa.
Quando cheguei lá, os professores e o diretor agradeceram muito minha presença e disseram que estavam felizes que eu estava bem. Já as mães dos mortos me olhavam como se quisessem que eu tivesse morrido no lugar de seus filhos. Talvez eles falassem mal de mim em casa. Senti-me estranha em estar lá. Eu era a única que não tinha laços afetivos com os mortos ou suas famílias. Mas mamãe me obrigou a ir…
No final, todos foram cumprimentar as famílias. Eu consegui fugir das mães malévolas e vingadoras dizendo à minha mãe que não me sentia bem. Ela concordou que deveria ser por ter voltado ao local do acidente. Aparentemente, era muita informação para mim.
As pessoas continuaram a me deixar flores e velas, mas dessa vez em frente à minha casa. Não conseguia andar na rua sem ser reconhecida e abençoada por estranhos. Chegaram a me pedir para benzer uma criança, para que ela tivesse os mesmos bons fluídos que eu. Só Consegui escapar dessa quando desisti de argumentar e saí correndo.
O colégio me aprovou de não sem que eu fizesse as provas finais, mas mesmo assim, eu tive que ir para outro colégio, pois naquele não formos turma para o novo ano e ninguém teve coragem de se matricular lá. No novo colégio, eu era vista como a garota que causou um desastre e matou toadas as pessoas que me ridicularizavam, apenas para me vingar. Pelo menos ali ei não era humilhada, apesar de todos me temerem e ninguém ter coragem de ficar perto de mim. Alguém poderia pisar no meu pé e eu iria me vingar da pessoa. Foi um pouco exagerado da parte deles, mas pelo menos me deixavam em paz.
Nas ruas, eu era conhecia como “a sobrevivente”, como se eu tivesse descoberto um câncer terminal, não tivesse desistido de lutar e tivesse sobrevivido, sendo milagrosamente curada. As flores em frente a nossa casa morreram, os balões murcharam e eu comi os chocolates, que foi a única parte que eu realmente aproveitei. Mas a cidade continuou vivendo sob a lembrança do desastre que matou vários adolescentes, menos uma.
Um livro foi escrito sobre a minha história e depois foi feita uma adaptação para os cinemas, com muito exagero, é claro, como uma cena em que fizeram uma releitura de Carrie, quando jogam sangue de porco nela no baile, mas não jogaram sangue nessa história, foi apenas uma meleca verde, mas que foi tão nojento quanto. No final, as flores em frente à minha casa nunca morreram, o que seria um verdadeiro incômodo se acontecesse de verdade, e todos aqueles que eu tocava viviam eternamente saudáveis, graças à ligação espiritual que eu mantinha com meus colegas mortos para que eles pudessem se desculpas, e eu transformava as desculpas em benção. 
Enfim, foi muito fantasioso e ridículo, e acabou sendo um fracasso de bilheteria e crítica, ainda bem. Fiquei preocupada que aquela história horrorosa fosse um sucesso, o filme ganhasse um Oscar e eu tivesse que ir buscar a estatueta, confirmando que os espíritos estavam ali e abençoando toda a plateia.
No final, quando toda essa história sossegou, eu acabei me mudando de cidade, para um lugar onde ninguém me reconhecesse e eu pudesse andar em paz, que foi a única coisa que eu procurei a vida toda: a paz.

Um comentário:

  1. Obrigada por participr desejo uma boa sorte ,bjus
    http://blogdasonhagleide.blogspot.com

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