Boa Sorte, Felicidade e Saúde


Imaginem vocês leitores como deve ser difícil a vida da protagonista da história que agora vou narrar. Ela era uma moça inocente, ingênua. Certo dia conheceu um rapaz que lhe prometeu o céu e a lua. Ele parecia perfeito e era com ele que ela pretendia passar a vida. Entregaram-se aos prazeres da carne e ela engravidou. Pouco tempo depois de seu amado receber a feliz notícia, se tornou mais uma vítima da violência e morreu. Nem ela, nem ele, tinham família, mas ambos tinham muitos amigos que a apoiaram nesse momento tão difícil.
Mais do que nunca, naquele momento, ela queria aquele filho que representava para ela um pedaço de seu amado. Rezou como nunca havia rezado antes pela saúde da garotinha que ela iria ter. Queria que ela fosse a criatura mais perfeita que existisse, mas não demorou para que outra má notícia a abatesse. Ela estava grávida de um bebê acéfalo. Naquele momento, toda sua fé desabou. Deus havia se tornado uma criança com uma lupa na mão num dia ensolarado, se divertindo com as formigas que os humanos eram. Assim, ela começou uma busca desenfreada de novas maneiras não-científicas, já que a ciência nada podia fazer, para salvar sua filha. Variou entre as crenças religiosas e pagãs, entre os radicais e os moderados, mas nada adiantou.
Um dia, enquanto lia seus e-mails, recebeu um de um remetente desconhecido. Era a história de uma antiga lenda japonesa sobre tsurous. Lá dizia que a cada mil tsurus feitos, a pessoa tinha direito a um desejo. Foi sua última esperança. Tirou licença maternidade do trabalho e se dedicou inteiramente a arte do origami. Começou a fazer os tsurus, um a um. No começo ela achou que não conseguiria fazer os mil, mas conforme os fazia, adquiria habilidade de fazê-los mais rápido.
Toda vez que via que o papel estava chegando ao fim, ligava para um de seus amigos e pedia para que comprassem mais, pois não queria perder tempo saindo de casa para isso. Seus amigos vinham, mas ela mal os deixava entrar em seu apartamento ou conversar com ela. Eles começaram a estranhar, pensaram que ela poderia entrar em depressão por causa de tudo que estava lhe acontecendo. Então um dia, sob ciência de todos os amigos, um deles foi até sua casa conversar com ela. A princípio, ela não quis deixar que a amiga entrasse, mas logo viu que perderia mais tempo tentando convencê-la de ir embora do que a deixando entrar. Pediu que a visita fosse breve, pois ela estava muito ocupada. Quando a amiga entrou no apartamento, viu camadas de poeira se acumulando nos móveis e no chão. Aquele era um ambiente impossível de se viver, principalmente para uma grávida. Perguntou-lhe o que ela andava fazendo que a deixava tão ocupada. Ela não quis responder. Perguntou-lhe então por que ela pedia tanto papel aos amigos. Ela também não quis responder. A amiga pediu se poderia ver o quarto do bebê que ela e o pai do bebê haviam montado antes dele morrer, mas ela negou. A amiga pediu para usar o banheiro e, enquanto a outra ia até a cozinha pegar algo para elas beberem, entrou no quarto do bebê.
Tudo, os móveis, o berço, os enfeites, o chão, tudo estava coberto por tsurus. Era quase impossível andar dentro do quarto de tantos origamis. A grávida veio juntar-se à amiga e lhe contou toda a verdade, desde o e-mail que havia recebido. A amiga foi embora e, imediatamente, se reuniu aos outros e lhes contou o que havia visto.
No dia seguinte, além de trazer mais papel, os amigos se revezaram entre si entre limpar a casa e ajudar a amiga a fazer mais tsurus. O apartamento inteiro estava praticamente coberto pelos origamis quando aconteceu a última contagem. Havia 999 pássaros de origami e, nesse momento, a mulher entrou em trabalho de parto. Foi levada ao hospital e, enquanto aguardava o bebê nascer, pegou um papel no quarto do hospital e fez seu último tsuru e um desejo: “Eu gostaria que meu filho com meu amado pudesse nascer saudável e viver durante muitos anos.”
Enquanto era levada de volta ao quarto, após ter visto o rostinho de sua filha, segurava firme seu milésimo tsuru. Todos os seus amigos estavam junto dela quando o médico apareceu para lhe dar uma notícia. O bebê havia morrido. Foi como se houvessem lhe arrancado outro pedaço de seu coração, o pedaço que pertencia a seu amado. Voltou para casa e logo pediu ajuda para os amigos para tirar todos os tsurus da casa e poder esvaziar o quarto do bebê, mas, pouco tempo depois de voltar do hospital, começou a se sentir estranha, doente e mudanças ocorriam no seu corpo.
Ela foi ao médico, assustada, mas o que o médico lhe disse a assustou mais ainda: ela estava grávida. Acreditem senhores leitores, essa mulher nunca havia estado com outro homem desde que seu grande amor havia morrido e, mesmo assim, estava grávida de um lindo e saudável menino. Ela manteve o berço no quarto e, nove meses depois, o mais perfeito menino nascia sem qualquer problema ou explicação plausível. Alguns amigos acreditavam na versão absurda de que os tsurus foram responsáveis por isso, outros achavam que a mulher estava mentindo quando disse não ter estado com outro homem, mas opiniões a parte, aquele garoto cresceu mais forte que um cavalo, cercado de muito amor, tsurus e da foto que poderia ser seu futuro, tamanha semelhança inegável, de seu único e possível pai.

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